O desapego das coisas puramente terrenas deveria ser uma
meta para todo cristão decidido a agradar somente a Deus
O sorriso de
Madre Teresa de Calcutá, sempre presente em toda e qualquer circunstância de
sua vida, mesmo durante aqueles períodos de "noite escura", dos quais
a bem-aventurada se lembrava com angústia em suas cartas, ainda hoje é capaz de
impressionar. Quem olha para a imagem da beata enxerga o rosto de uma pessoa
que, deixando-se consumir totalmente pelo fogo divino, fez desta nossa
peregrinação terrestre um ato contínuo de amor e entrega a Deus. Ou seja,
encontrou a felicidade, completando na própria carne as dores que faltaram aos
sofrimentos de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja (cf. Cl 1, 24).
Certamente, um
modelo de vida semelhante pode causar, não obstante admirações, grandes
perplexidades. Ainda mais em uma sociedade que já não sabe lidar com o
sofrimento. Como é possível ser feliz na dor? A resposta a essa pergunta está
na cruz. A alegria do homem é fazer a vontade de Deus. Contudo, por se tratar
de algo nem sempre fácil — ao contrário, consiste muitas vezes em um verdadeiro
martírio —, o cumprimento dessa vontade exige um desprendimento heroico acerca
de todo e qualquer apego, seja material seja afetivo. O exemplo primordial de
abnegação vem, sobretudo, de Cristo no Horto das Oliveiras. Suando sangue, o
Senhor diz: "Pai, se é de teu agrado, afasta de mim este cálice! Não se
faça, todavia, a minha vontade, mas sim a tua" ( Lc 22, 42).
Na vida de todos
os santos se constata essa atitude do Jesus agonizante que, mesmo sofrendo, se
regozija por cumprir o desejo do Pai. A confiança em Deus desperta no ser
humano o dom do olhar sobrenatural, o qual ilumina o caminho para a verdadeira
glória do céu. Como costumava dizer Santa Teresa d'Ávila, esta vida é como uma
noite ruim, numa ruim pousada [1]. Nossa meta definitiva é, verdadeiramente, a
eterna casa do Pai. Aqui, somos somente estrangeiros. Por isso São Paulo e
Silas, dentro da prisão, mesmo diante da possibilidade da morte, cantavam um
hino a Deus (cf. At 16, 25). Eles estavam convictos daquilo que Nossa Senhora
também prometera em Lourdes a Santa Bernadette: "Não lhe prometo a
felicidade neste mundo, somente no outro" [2].
Com efeito, o
desapego das coisas puramente terrenas deveria ser uma meta para todo cristão
decidido a agradar somente a Deus. "Quem me dera não estar atado senão por
três pregos, nem ter outra sensação em minha carne que a Cruz" [3]. Era o
que constantemente pedia São Josemaria Escrivá em suas meditações diárias.
Neste propósito, o santo do cotidiano em nada menosprezava as obrigações e
responsabilidades diárias do homem perante a sociedade. É fato que um
verdadeiro cristão deve agir bem em todas os ambientes, transformando-os em
ocasião de adoração perpétua a Deus. O que São Josemaria pedia era a graça de
enxergar tudo como oportunidade de oblação ao Senhor, a sempre lembrar-se de
que o fim de todas as nossas ações só pode ser um: o encontro com Jesus.
Foi este
pensamento que encantou a então filósofa e ateia Edith Stein, e a fez abandonar
suas raízes judias para tomar o hábito das carmelitas. Ela compreendeu a
ciência da cruz, por assim dizer, descobrindo o significado salvífico e
redentor da paixão de Cristo. "O que nos salvará não serão as realizações
humanas, mas a Paixão do Cristo, na qual quero ter parte" [4]. Com estas
palavras, a futura santa Teresa Benedita da Cruz renunciava ao seu prestigioso
nome, à sua posição ao lado de um dos maiores filósofos modernos — Edmund
Husserl —, aos seus bens materiais, a fim de alcançar a sétima morada, isto é,
a plena conformação à vontade divina. A 2 de agosto de 1942, irmã Teresa
cumpria seu desejo de tomar parte na paixão de Cristo, oferecendo-se em
holocausto, durante o martírio no campo de concentração nazista, em Auschwitz.
Na homilia de
sua canonização, o Papa João Paulo II assim descreveu o itinerário de conversão
da santa [5]:
O amor de Cristo
foi o fogo que ardeu a vida de Teresa Benedita da Cruz. Antes ainda de se dar
conta, ela foi completamente arrebatada por ele. No início, o seu ideal foi a
liberdade. Durante muito tempo, Santa Edith Stein viveu a experiência da busca. A sua
mente não se cansou de investigar e o seu coração de esperar. Percorreu o árduo
caminho da filosofia com ardor apaixonado e no fim foi premiada: conquistou a
verdade; antes, foi por ela conquistada. De facto, descobriu que a verdade
tinha um nome: Jesus Cristo, e a partir daquele momento o Verbo encarnado foi
tudo para ela. Olhando como Carmelita para este período da sua vida, escreveu a
uma Beneditina: "Quem procura a verdade, consciente ou inconscientemente,
procura a Deus".
A beleza do
sorriso de Madre Teresa, o canto de Silas e São Paulo, a santificação no meio
do mundo de São Josemaría Escrivá, o martírio de Santa Teresa Benedita da Cruz.
Todas essas realidades, cuja eloquência do testemunho não nos deixa
indiferentes, têm sua origem e fim no desprendimento das coisas da terra. Quem
coloca seu coração em Deus transmite a luz de Cristo em sua face e atrai os
outros para o céu — "Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim.
A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou
e se entregou por mim", escreve São Paulo aos Gálatas (2, 20).
A única coisa
que deve nos prender a este mundo são os três pregos da cruz. Essa é a nossa
meta cristã.
Por Equipe
Christo Nihil Praeponere
Referências:
Cf. Caminho, n.
703
AV. 78. A
impressionante história de Nossa Senhora de Lourdes.
Caminho, n. 151.
MIRIBEL,
Elisabeth de. Edith Stein: como ouro purificado pelo fogo. 4 ed. Aparecida:
Editora Santuário, 1998, pág. 63.
Homilia do Papa
João Paulo II na cerimônia de canonização de Edith Stein.
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