Pelo modo como
harmoniza extremos de charme e de trivialidade, a garça parece transmitir uma
luminosidade moral para o homem que a admira.
Dotada de
encantadora singeleza, alva plumagem e impecável maintien, a garça surpreende pelo contraste entre a sua elegante
imponência e a fragilidade das patas que a sustentam com perfeito equilíbrio,
em suas investidas nos charcos onde vai buscar alimento. Sem consentir que a
vileza dos vermes ou a sujeira do terreno tisnem o magnífico branco de sua
plumagem, ela empreende altaneira a tarefa de recolher os pequenos animais que
compõem sua refeição.
Com olhar sagaz,
não perde o movimento de nenhum petisco, que logo é fisgado com seu longo bico,
após uma rápida e certeira localização. Serena, a garça não se precipita afoita
sobre a presa, mas prepara cuidadosamente cada um de seus movimentos e os
executa com destreza e exatidão, atingindo o objetivo desejado.
Mais ainda, ela
dá a impressão de estar imersa em cogitações de ordem contemplativa que, por
assim dizer, não permitem preocupar-se com aquele entorno vulgar no qual,
entretanto, é obrigada a viver. Não é verdade que a sua nobreza ficaria em algo
diminuída caso ela se mostrasse condescendente com a modorra e a estreiteza de
horizontes do ambiente em que encontra a subsistência?
Esta simpática
ave parece transmitir, pelo todo de sua constituição e pelo modo como harmoniza
extremos de charme e de trivialidade, uma luminosidade moral para o homem que a
admira.
Cada um de nós,
pela natural dignidade da natureza humana e, sobretudo, pelos efeitos do
Batismo, foi elevado a um patamar de superior grandeza. O mais apagado dos
homens, desde que esteja na graça de Deus, é um verdadeiro príncipe, herdeiro
das moradas celestes.
Agraciado com
mil privilégios, posto sob a proteção da Santa Igreja e tendo a alma adornada
por virtudes e dons, o homem enfrenta uma paradoxal situação: deve viver nesta
Terra maculada pelo pecado, cabendo-lhe comer o pão com o suor de seu rosto
(cf. Gn 3, 19) e assumir as duras consequências da queda de seus primeiros
pais. Como a nívea garça, ele está posto num pantanal de angústias, misérias e
desolações, enquanto sente um chamado ad
maiora pairando sobre si, como uma aura luminosa.
A bela ave,
contudo, possui uma habilidade que compensa num só minuto todas as frustrações
que poderiam acometê-la, pois é capaz de deixar o pântano e alçar voo
conservando intacta a sua alvura, até chegar a altas paragens, onde não é
atingida pelos asfixiantes calores do charco e passa a ser acariciada pelos
ventos do heroísmo.
Também nós,
quando correspondemos ao convite à santidade feito pela Providência, nos
erguemos de nossas mazelas e voamos pelos paramos da vida espiritual. E se
formos fiéis à voz da graça na vida de todos os dias, mantendo os olhos postos
no Céu, chegaremos à verdadeira felicidade, pela misericórdia de Deus. Lá não
mais haverá lágrimas nem dor e será Ele mesmo a nossa recompensa demasiadamente
grande, por toda a eternidade.
Irmã Carmela Werner Ferreira, EP
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